
Em artigo intitulado ‘O Regime Constitucional dos Tribunais de Contas’, o jurista Ayres Brito, ministro aposentado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), com o notável saber jurídico e o estilo refinado que lhe são peculiares, contextualiza a autonomia institucional do Tribunal de Contas da União (TCU) e, por decorrência lógica e legal, das demais Cortes de Contas.
Para afirmar, taxativamente, que o TCU “não é órgão do Poder Legislativo”, Ayres Brito invoca o artigo 44 da Constituição Federal (“O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal), daí concluindo que o se o TCU não compõe o Parlamento, o mesmo vale para os Tribunais de Contas estaduais e de Municípios em relação ao Legislativo “das demais pessoas estatais de base territorial e natureza federada”.
Manejando, com igual destreza, profundo conhecimento constitucional e texto incisivo, o ministro aposentado assevera que “além de não ser órgão do Poder Legislativo, o Tribunal de Contas da União não é órgão auxiliar do Parlamento Nacional, naquele sentido de inferioridade hierárquica ou subalternidade funcional”.
Em seguida, ao equiparar a autonomia do TCU ante o Poder Legislativo àquela do Ministério Público em relação ao Judiciário, Ayres Brito explicita que “assim como não se pode exercer a jurisdição com o descarte do Parquet, também é inconcebível o exercício da função estatal de controle externo sem o necessário concurso ou contributo obrigatório dos Tribunais de Contas”, reafirmando que “esse tipo de auxiliaridade nada tem de subalternidade operacional.”
Ao delinear, com objetiva proficiência, a natureza político-administrativa das Cortes de Contas, o ex-presidente do STF adverte que “nenhum Tribunal de Contas é tribunal singelamente administrativo”, condição que não corresponderia à relevância de instituições que têm suas funções, competências, atribuições e regime jurídico de seus agentes definidos pelo próprio Poder Constituinte. “Foi o legislador de primeiríssimo escalão quem estruturou e funcionalizou todos eles (os Tribunais de Contas), prescindindo das achegas da lei menor”, assevera.
Para Ayres Brito, se os Tribunais de Contas não ostentassem a dimensão política que lhes assegura o Texto Constitucional, “não ficariam habilitados a julgar as contas dos administradores e fiscalizar as unidades administrativas de qualquer dos três Poderes estatais, nos termos da regra insculpida no inciso IV art. 71 da Carta de Outubro.”
Dessa perspectiva, o ministro aposentado do STF estabelece o vínculo do controle externo exercido pelas Cortes de Contas com os fundamentos republicanos, acentuando que, ao zelar pelo estrito cumprimento dos princípios constitucionais e preceitos legais sobre os que decidem e os que gerenciam a ‘res pública’, os TCs “se assumem como órgãos impeditivos do desgoverno e da desadministração.” E ao fazê-lo, acrescenta, superam o status de simples órgãos de aplicação da lei, transformando-se em “órgãos de aplicação do Direito.”
Veiculado na plataforma digital da Editora Fórum, o alentado artigo de Ayres Brito constitui lúcida e oportuna reflexão sobre o papel institucional e as atribuições constitucionais dos Tribunais de Contas.
*Iran Coelho das Neves é Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.