
Ainda não sabemos quando e a que custos, em vidas humanas e em exaustão econômica e aflição social, o mundo emergirá da pandemia do novo coronavírus.
Há, porém, uma certeza convalidada pelos que, nas mais diversas áreas da ciência e da filosofia, refletem sobre essa que é a mais grave crise a afligir a humanidade nos últimos cem anos, pelo menos: o mundo, ou seja a sociedade planetária, jamais será a mesma.
Quando falamos de sociedade planetária, na verdade estamos falando dos aproximadamente 7,8 bilhões de habitantes da Terra, todos, em maior ou menor grau, afetados pela pandemia. Seja pelo contágio direto do novo coronavírus que hoje prostra as nações mais poderosas do mundo, seja pelas gravíssimas, e seguramente duradouras, repercussões econômicas e sociais de uma crise sem precedentes.
Se, como seres humanos nos quedamos perplexos diante da expansão avassaladora da pandemia, naturalmente atemorizados ante o risco real de sermos apanhados por ela, as sociedades nacionais – e no interior delas os estratos sociais e todas as controvertidas subdivisões em que se fracionam em tempos ‘normais’ – se veem afrontadas pelo fantasma dramaticamente real e invisível do vírus que devasta vidas às centenas ou aos milhares, estrangula suas economias e expõe a imensa fragilidade dos ‘fortes’.
Embora estejamos cientes, pelos alertas das autoridades sanitárias e dos mais respeitados pesquisadores, que muitas nações, incluindo o Brasil, ainda enfrentarão duras provações até que o calvário da Covid-19 atinja o ápice do contágio e comece a arrefecer o suplício brutal, é oportuno refletir sobre como a humanidade emergirá desta que é a primeira pandemia em um mundo globalizado, com informações e desinformações em tempo real pelos meios digitais.
Para citar apenas dois pontos circunstanciais que refletem mudanças que podem ser definitivas:
O teste em escala parece aprovar o que até há pouco era experiência restrita – o home office – a algumas poucas empresas, mas que tem se mostrado uma forma laboral produtiva, inclusive na administração pública; ainda que ignorada por um percentual considerável de refratários à ideia de proteção individual e comunitária, a contingência do afastamento social como prevenção eficaz à expansão do contágio configura um comportamento social que, adotado por uma grande maioria, pode definir um novo patamar nas relações cotidianas.
Esses são apenas dois aspectos pontuais dentre as mudanças muito mais profundas e amplas que, muitos preveem, moldarão a sociedade contemporânea pós-pandemia.
Embora muitos sejam céticos quanto a isso, é pelo menos alentador esperar que a solidariedade entre indivíduos, entre estratos sociais de um mesmo povo e entre as nações possa florescer como decorrência virtuosa das agonias, dores e sobressaltos que a covid-19 impõe sobre todos, sem distinção de nacionalidade, raça, cor, credo ou posição social.
Afinal, se um inimigo cruel e invisível nos irmana no medo de sucumbir a seu ataque, também nos compele – ou deveria – a compreender o quanto somos igualmente vulneráveis. Tanto ricos quanto pobres, embora sobre os mais pobres recaia o desamparo que os torna ainda mais expostos ao contágio.
A conscientização, por parte dos mais aquinhoados e esclarecidos, as chamadas ‘elites’, de que o empenho efetivo pela redução das desigualdades profundas é não só um imperativo ético e moral, mas uma prevenção eficaz contra futuras ameaças globais ou regionais, pode ser fortalecida pelo confronto com a trágica pandemia.
O drama global – e tão próximo de cada um de nós –, encarnado com trágico realismo pela covid-19, ainda trará muita dor e sofrimento, segundo as autoridades em saúde e os governos.
Não é realista esperar que dessa longa e fatídica purgação surja um novo Homem. Porém, é plausível supor que ao fim de um sacrifício que submete à dor e ao luto povos dos quatro cantos da Terra possa emergir uma Humanidade melhor.
Se não é uma certeza, é, pelo menos, uma esperança.
*Iran Coelho das Neves é Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.